17 abril 2007

A (temível) Esperança


Sabes, a vida por vezes engana-nos. Ou nós queremos, apenas, que ela seja diferente. Não a aceitando. Mais de uma década depois achei, sinceramente, que ainda sentiriamos os arrobos da paixão. Que ainda me meterias a língua, invasora, na boca, como se me quisesses tomar como tua a partir dali. Ainda julgo que deveríamos dar a mão ao entardecer. Que ainda namoraríamos, no sofá, no intervalo do filme fora de horas. Que ainda nos procurariamos, cheios de tesão, na cama, na banheira, na cozinha, a qualquer hora do dia, sem cansaços e sem ausências. Mas ao crescer - sim, porque estamos sempre a crescer - seguimos por caminhos, que embora paralelos, nos levaram a cidades diferentes. Agora resta-nos uma parede, construida por nós próprios e que nos impede de nos olharmos nos olhos um do outro realmente. De vez em quando , muito mesmo, de quando em vez, tocamo-nos como se regressássemos ao passado. Mas o passado não pode ser vivido de novo. Agora é o presente. que tem de ser construido, um dia de cada vez. Mas nunca estamos um para o outro. E nunca nos procuramos. Nem na cama, nem na banheira, nem na cozinha, nem em lado nenhum. Porque o que vemos agora já nem é uma projecção do passado em que nos conhecemos e em que fizemos planos para um futuro cheio de magia, amor e ternura. Hoje, resta-nos o passado. E também a parede entre nós. O problema maior, meu querido amor do passado, é que nem o passado nos leva um ao outro. Nem o nosso. E a parede impede-nos de ver o que somos realmente agora. E já não sabemos amar a pessoa que temos agora ali deitada ao nosso lado na cama, na qual não nos procuramos, nem tão pouco nos atrevemos sequer a tocar, por receio de ofender a resistência do alto muro que nos divide em todos os cantos das nossas vidas. Amanhã é outro dia. Repito eu, ingénua e já sem esperança. Penso eu. Amanhã talvez seja diferente. Pensas tu. E nenhum dos dois se atreve a levantar os olhos e a ver realmente aqui e agora, e, muito menos no futuro, nem naquele que nos espera e muito menos naquele que projectamos juntos. Hoje, aqui, e agora. Nunca voltaremos a ser iguais, nem tão pouco parecidos. Mas amanhã é outro dia. Repito eu.


23.01.2007

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