30 novembro 2006


Era já noite quando entraste no meu quarto. Apenas se ouvia o som dos teus pés descalços a bater no soalho de madeira. Pezinhos de algodão, de tão leve que eras ainda nesta altura. Eu estava diante de um espelho apenas de roupão que entreabri para te reveres no meu ventre arredondado, com a pele de tal forma esticada que te servia de espelho a ti. É ali que te vês os olhos. Na pele da tua mãe. Eu. Peguei-te na mão e coloquei-ta sobre o meu ventre prestes a rebentar de vida. Talvez te quisesse fazer sentir a outra vida que se mexia. A criança que também surgia para lá da minha pele. Mas queria-te saber ainda ligado a mim. Olhaste-me sem me compreender enquanto as lágrimas me corriam pela face. Perguntaste-me se doía, enquanto me acariciavas a pele luzidia, onde te revias. Limpei os olhos com um lenço branco e simples e levantei-te para o meu colo, aquele pouco que me restava, que sempre te pertencerá e apertei-te por longo tempo contra o meu peito para partilhares comigo os 3 corações a bater em uníssono. Respiraste o meu cheiro quente com os olhos fechados. E eu inspirei as tuas golfadas de oxigénio. Gostaria de ter imortalizado aquele momento e de nunca mais te ter pousado no chão.

28.11.2006

MEU DOCE FILHO


PARABÉNS

Amo-te infinito, infinito, mais cem, mais cem!


Já chega?

29 novembro 2006


Vivi sempre sem rede. Pelo menos acho que assim vivi.
Já sei que não se morre de amor, nem de saudades, nem de falta de ar porque o amor nos abandonou, ou porque a vida foi deitada fora como se não passasse de um papel sujo e dispensável para alguém. Mas a falta de rede lá em baixo vai também deixando os seus temores, cada vez mais profundos. Porque com o passar do tempo vou aprendendo a olhar para baixo – cada vez mais – e cada vez me vai parecendo maior a altura que está entre mim e chão. Ou simplesmente o espaço que alguém fixou entre o céu e a terra. E o medo apodera-se de mim. O temor de cair e me estatelar e me desmanchar completamente no chão e de ninguém me conhecer suficientemente bem para me voltar a montar como se de um puzzle me tratasse. E me perdessem as lembranças ou as fotografias da minha infância onde retrato o primeiro beijo, o primeiro amor. O primeiro boneco careca que foi um filho para mim. Ou os cheiros se me tornem desconhecidos porque se evaporaram pela queda, e já ninguém mos recupera. E fico sem saber ao que cheira as rabanadas na véspera de Natal polvilhadas de canela pelas quais reconhecemos as Festas das nossas casas. Ou se perco os cheiros das peles que me tiveram. Ou se perco o cheiro da lembrança afincada do horizonte na minha terra. Pior, se me perco sem o espaço vazio que ainda guardo, aguardando, o cheiro da pele que me vai fazer feliz.
E em vez de andar, fico apenas estática a avaliar os riscos, os prós e os contras de avançar, assim sem rede, tentando medir a pulsação dos ventos, as oscilações do mundo que me farão inevitavelmente cair de novo.
Mas não caio, porque apenas fico ali, a olhar. A avaliar.

18.11.2006

28 novembro 2006


Cartas soltas de sentimentos com estórias e de estórias com sentimentos,

Olá, como vais? Eu vou bem. Como sempre. Sabes, sinto falta de ouvir um riso. Não um riso qualquer. Aquele riso que me fez deambular pela vida e enforcar a ilusão, esse já não faz parte dos meus sonhos actuais, actualizados e constantes. Sinto falta de um riso presente na minha vida, assim como sinto falta de uns braços que me embalem nas noites de maior solidão. E também nas de maior partilha. E, depois de uns dias reconfortantes e distantes de toda a convulsão citadina e permanente da minha vida, cheguei à conclusão que embora definitivamente saiba sobreviver sozinha, é tão melhor quando temos com quem dividir. Dividir o fresco lavado dos lençóis. O quente da água que jorra do chuveiro solitário apenas para mim. A perna, abandonada, debaixo da mesa. A mão largada sobre o sofá enquanto ouve a música após o jantar faustoso. A boca sedenta que não tem a quem beijar e dividir os carinhos que a faz esbelta. Estes dias de solidão acompanhada, foram os dias em que me senti a alma a liquidificar-se. E aí, tenho de admitir, por mais que tenha aprendido que sei sobreviver sozinha, e que não morrerei de forma nenhuma, e, ainda alguma, por não amar desalmadamente sempre, e, todos os dias, aprendi que não ter com quem partilhar a minha alma, assim, líquida, de novo, assim, tão perto dos olhos, inunda-me de uma tristeza profunda, também. Menos penosa. Mas enorme. Tão grande como o mar que te leva a outro continente. Entender os sentimentos é sempre uma estrada de muitos atalhos. Cada um entende da maneira que pode, consegue e sente. E nunca é da mesma medida exacta e conforme. Tenho a certeza. Mas não absoluta. Aliás, nunca vejo as coisas da mesma forma que os outros, nunca, ou muito, muito, muito raramente. É por isso que preciso que um dia expliques o teu sentimento. Para to ver com os meus olhos fingindo serem os teus. Se te embaraças e nesse acto perdes a fala, podes engolir palavras e perdê-las aí dentro, ideais e tão necessárias. E, se tiveres tanto para dizer, que seriam suficientes para eu aconchegar o coração bem pertinho delas? E não aprendas a fazer melhor. Melhor seria sim um sinónimo verdadeiro de te perder nas letras por entre as linhas. A responsabilidade é manteres-te igual. E ainda assim não disse tudo. Mas também não interessa dizer mais. Apenas que gosto. Amei e amo sempre as palavras. E que amo os sentimentos que eram para ser estória. Sem responsabilidades. Apenas com sentimentos.

27.11.2006

27 novembro 2006


Hoje é um daqueles dias em que me gostava de saber viva.
Viva, não pelo facto de respirar, caminhar e desfrutar de todos os meus sentidos. Viva por todos eles estarem e viverem alerta no meu corpo. Por reconhecer na brisa o cheiro do mundo que me dá alento. Por reconhecer no tacto o corpo que me faz estremecer. Por poder olhar e ver a vida que me faz chorar de alegria. Por ouvir e saber medir a exacta distancia a que estás de mim.
Mas não sei quem tu és. Não te vejo, não te cheiro, não te sei o sabor, não te sei a medida e a distancia que vai do teu queixo à tua boca. Ainda não te senti. Ainda não te vi. Ainda não te cheirei. Ainda não te ouvi. Ainda não sei ao que sabes.
Fico deitada na cama, a meio da noite, quando os olhos se recusam simplesmente a fechar, a imaginar como será a temperatura do teu corpo. Ao que saberá o teu calor nos lençóis partilhados comigo. Ao que saberá a tua pele. A tua cútis no mais íntimo sabor dos resquícios dos sabores da partilha. A que saberá a tua língua. O calor da tua boca. A forma dos teus braços. O cheiro do teu pescoço.

Saberei reconhecer-te quando me cruzar contigo na vida?

17.11.2006

Hoje acordei com a sensação enervante que me olhavas pela nuca, e que com esse teu olhar demasiado penetrante e demasiado céu brando em dia de gritos de gaivotas, e me conseguisses ver por dentro do coração, da alma, da mente e do sexo.
Sinto-me a escorrer, por dentro, como o suor a correr pela barriga, de dentro, das pernas, quando fazíamos amor fechados dentro do carro, um espaço demasiado exíguo, para tanto amor e demasiado exigente para tanta acrobacia necessária para atingir o clímax.

Subitamente fez-se luz. Não posso confiar naquele que não suporta estar sozinho na sua própria solidão.

Deixo-me estar. A necessidade premente do sexo palpitante, a sensação de perigo e a ginástica dura para todos os músculos dentro do carro, a falta que me fazes no frio da cama, nada disso já é tão importante como estar feliz na solidão, pois os céus pararam e o movimento do tempo suspendeu-se para mim, e, assim, sossegar sob o céu azul, sem gaivotas estridentes a chamarem por mim.

Aguardo o Amor. Já não te espero. A ti.

15.11.2006

Não conheces realmente a solidão. Nunca a sentiste, tão próxima e tão parte de ti, de uma forma em que ela já está completamente integrada em ti.
Ainda bem.
Eu quase que sei ao que ela sabe.

6.11.2006

26 novembro 2006


Às vezes acho que escrevo pelo simples motivo de que dessa forma prolongo o êxtase. O do sofrimento e o do prazer. Como que um orgasmo arrastado, aumentado e diminuído conforme a cadência e a tonalidade da tinta. E é por isso que me revejo, já calma, a sorver um chá fumegante, que emite sinais da vida que te sobreviveu e me restou, sinal mais que evidente, que embora creia – crer – que depois de ti não aguardo quase nada, mas sempre aguardo alguma coisa. De ti? Do mundo, sem dúvida. Tu és também mundo? Tantas perguntas sem resposta. Tantos carinhos sem retorno. Nunca prometeste o que eu queria. E o que eu não te queria dar, perdi-o. Houve um momento para fechar o corpo ao sofrimento. Agora, enquanto trilho um caminho que me leva deste beco para fora, renovada, para me reencontrar por aí, sentada, num qualquer muro baixinho – pois sempre tive tonturas – sorridente, à minha espera, reconstruída, aguardando o meu renascimento.

15.11.2006

23 novembro 2006


Os anos passaram...
Ainda adoro festas, ainda adoro vermelho, e, obrigado MÃE, por mais este dia, por todos estes anos.
Já te disse hoje que te amo?
23.11.2006

21 novembro 2006


Os nós e os laços que nos unem começam, não subitamente, a desatar-se e desfazendo-se muito lentamente. Como o dia que vai entardecendo. Por mais que não quisesses que assim fosse. Mas ambos queremos. Ou não fosse o nosso afastamento ditado por esse querer. Não consigo entender onde foi que nos perdemos. Debato-me, esforçadamente, por encontrar o fio condutor. E nessa procura multipliquei-me em somas de amores. Mas acabei, apenas, subtraída em dívidas de desamores. Os dias continuam a passar, um após o outro. O mundo não parou de girar, para surpresa minha. Embora a noite, em tantas e tão vastas vezes, se tenha apoderado de mim, e, as palavras, que perdidas, solitárias, não chegaram aos seus destinos, não aguentam estar caladas e quase tão vazias, perdidas em mim. Partilho-as.

14.11.2006

20 novembro 2006


Tantos dias em que me senti um grão de poeira na imensidão do deserto. Pois poucas coisas existem no mundo, mais amargas, que a lembrança de uma paixão que não morreu. Mas uma e outra, seguidas de mais uma e outra, após outra, seguida de mais uma tempestade de areia ou simplesmente o vislumbre do amanhecer de um dia calmo, após o outro, para fixar a distancia entre o céu e a terra.

6.11.2006

O sofrimento foi, para mim, como um naufrágio. Por vezes, a meio da noite, oiço a minha respiração e dou comigo a chorar. Não percebendo se é apenas o sono que me é negado ou mais um sonho que não me deixa esquecer. Já não me iludo, julgando que vens partilhar a minha cama e trazer-me o teu calor. Já não te espero em silêncio. Nem com ternura.

21.10.2006

18 novembro 2006


Hoje quando olho para ti só te consigo imaginar debaixo desse teu manto de frieza e distancia que impões entre nós. Já me esqueceste e eu, quase, também. – A mim. – Não me guardaste como eu a ti. Não me velaste. Não tens nenhum dos meus beijos guardados, no bolso pequenino das calças, como se de um amuleto se tratasse. Já não reconheces o meu sabor, aroma, cheiro e temperatura na tua proximidade. E, eu a cada dia que passa, fico mais tranquila. De ti.

21.10.2006

17 novembro 2006


Por vezes. Não sempre. Só por vezes. Seria tão mais fácil não ter um passado atrás para conseguir ultrapassar mais uma noite povoada de solidões. Quando tenho a certeza, quase absoluta, de que estou livre do teu fantasma, apareces-me tu vindo do nada e revolves-me as entranhas e devolves-me o ar viciado da tua presença. E fico outra vez sem saber respirar. E aí, tenho a certeza, que seria tão mais fácil não ter um passado para conseguir sobreviver a esta noite. A mais esta noite. E é tudo tão repentino que me sinto a perder as forças e os pulmões a esvaziarem. E sem ti. E sem a tua sombra apenas no canto do olhar, e que ao virar a cabeça para o outro lado me faz sentir mais só e mais vazia de ti. Só de ti. Só de ti. E tudo o que sempre foi teu fica aqui e agora abandonado. E sem ti. E eu? Penso que senão existisse um passado seria tão mais fácil sobreviver a mais esta noite.

11.11.2006

16 novembro 2006


Hoje percebi finalmente que o teu cheiro já não me persegue. Hoje atendi ao meu coração e percebi que ele começa a ficar vazio de ti. Senti-te a falta. A falta de me encheres os dias e as noites do teu vazio. Mas começo a respirar sozinha, sem a tua assistência permanente. E sobrevivi. Mais ferida, menos viva. Mais magoada. Menos sonhadora. Mas sempre a acreditar. Por vezes nem sei bem no quê. Mas a acreditar. Tenho motivos para crer. E tu não foste o único. Embora te acreditasse como tal durante muito tempo. Agora que me redescubro, e vazia de ti, novamente, revejo-me na minha plenitude. E sei que as marcas ficarão, não perenes. Mas também sei que elas traçam caminhos na minha alma que me ensinarão a chegar mais além.

Hoje já não te senti o cheiro. Sabes o quanto cheiro me indicava o caminho até ti. Hoje já não te senti o cheiro.

8.11.2006

15 novembro 2006


Parti tudo à nossa volta. E agora ficamos os dois sem nada. À nossa volta. Sem subterfúgios. E pela primeira vez em anos vimo-nos na totalidade, nus e em toda a crueza de quem não tem onde se esconder e onde se espelhar. Os espelhos captam a essência das nossas almas. Mas agora espelhamos apenas aquilo que somos. Já não existem espelhos entre nós, à nossa volta, atrás ou à frente. Aquilo que somos espelhados nos nossos olhos apenas. E aqui, neste lugar, fico à espera de rever aquele menino grande que eras. E tu ficas à espera da menina pequena que sempre fui nos teus braços. Mas nenhum dos dois reencontra o caminho para emergir ao de cima. E descobrimo-nos sós.

8.11.2006

O meu amor é especial. Apenas especial. Sabes quando chegas e me beijas a boca, a língua, o céu da boca e me levas toda para dentro de nós?
Sabes aquele toque que me dás nas no interior das coxas enquanto te vais aproximando do meu corpo e ajeitando-me à tua posição favorita?
És mesmo especial. Porque quando me amas, sinto-me a alma a insuflar de vida e de mais amor. Quando fazemos batalhas de sexo ou simplesmente de amor, simples amor, arrastando as palavras, sentas-me numa nuvem branca a planar num qualquer céu que construíste à minha medida.

Tudo isto mesmo quando não passas de um simples sonho. Simples.

Arrastando apenas as palavras. Assim dura, apenas, mais.

26.10.2007

14 novembro 2006


Perdi o rasto à menina dos campos das margaridas amarelas?
Porque me continuo a sentir enclausurada num corpo de adulto, como se me tivesse perdido na idade da perfeita adolescência, e me recusasse a crescer e me mantivesse sempre à altura dos meus filhos?
Crescer é um imperfeito e sofrido acto continuado a que me recuso permanentemente a prestar vassalagem.

Não existe nada melhor quando fico na cama aninhada aos meus principezinhos. Quando me atiro em pleno voo picado sobre a cama da minha Mãe. Quando a abraço e faço cair, estatelada e risonha de risos cheios. Quando transformo a sala e os sofás no melhor palco de guerra e guerrilhas de almofadas. Quando almoço uma lata de leite condensado.

Ainda não consegui perceber os objectivos da idade adulta.

8.11.2006

13 novembro 2006


O meu blog começou por uma homenagem a uma grande Amiga, que tinha saudades de me ler. Até o nome. Era, é e será sempre a minha fada. Foi ela que me deu a conhecer João de Mancelos, autor de um livro com o nome “ As fadas não usam batôn”, bem como alguma poesia dele. E sabem que quando a leitura nos é oferecida partilha-se muito mais que palavras. São sentimentos. São pedacinhos de vidas que estamos ali a dar e a receber. É assim com todos os amigos que agora fiz por aqui, e com todos os outros, que longe ou perto partilham comigo este meu sítio, como eu lhe gosto de chamar.
Engraçado porque tudo isto começa para ela me reler na adolescência. E hoje tenho aqui um canto que gosto de partilhar com pessoas, que embora não conheça pessoalmente sinto uma ligação, um entendimento tão grande como com ela, a minha Amiga, com quem passei pela adolescência, cheia de enigmas, iniciações a quase todas as dores, muros de separação e desentendimento, mas também tantas afectividades e sorrisos descobertos à flor da pele. E flores amarelas.
Os livros onde escrevia eram todos vermelhos com flores.
O computador é o meu caderno. E todos vocês são as minhas flores. E eu escrevo, sempre, na tentativa de fazer alguém ficar feliz.
Todos somos feitos de sobrevivências.
E as fadas também usam batôn…

29.10.2006

Ao reler-me, fico estupidamente triste.
Não sei escrever sobre alegrias. Não partilho a felicidade com as pessoas que me rodeiam.
Não sei pôr a alegria, a felicidade, o bem-estar em palavras.
E isso entristece-me.
Porque eu não sou apenas tristeza, dor, mágoa e desilusão.
Sou também Mãe.
Sou também Amiga.
E também tenho amores e gestos de perfeita sintonia.

Hoje estou a pensar em ti.

10.09.2006

12 novembro 2006


Gostava de saber fazer essas cenas fixes que vocês fazem em que quando se clica numa palavra se vai parar a outro blog. Mas não sei. O computador para mim serve para escrever. Bater nas teclas, incansável, é para mim uma terapia. Mas isto, para dizer que li, numa das minhas visitas diárias aos vários blogs dos quais sou leitora assídua, li uma frase, dita / escrita por uma 3º pessoa, onde constava “ aquele lugar onde só chega quem não tem medo de naufragar”.
Já passaram vários dias e o tom destas palavras não me saem da cabeça. É o timbre delas. Não sei. Mas penso amiúde nelas. E eu sou assim, quando tenho uma coisa na cabeça tenho de a descobrir, de a entender. Ou simplesmente de falar sobre ela.
Só quem não naufragou não tem medo do que se sente nessas alturas. O pânico de ir ao fundo, o pânico de sofrer, de errar, de arrastar outros na dor. O pânico da solidão. Acho que eu diria, que a esse lugar só quem vai é quem não tem medo de recomeçar tudo outra vez. E esse é um naufrágio que dói. Já sofri alguns naufrágios. Uns maiores que outros, alguns num paquete de luxo, outros num simples bote de borracha, alguns ao largo, durante a noite, e em penumbras tempestuosas. Outros, ali tão perto da beira mar que ao fim de algumas, poucas, braçadas já estava em terra firme com o pé assente na areia.
De todas elas ficou-me um amargo de boca, maior ou menor, consoante a grandeza do acidente em si. Mas de todas elas, ficou um medo cada vez maior de me aventurar. Porque não passamos todos nós de barcos, imersos num mar de solidões, onde deparamos com alegrias em ilhas dispersas ou vidas em continentes aglutinados.
Mas no barco, que somos nós, após cada naufrágio, os danos vão sendo maiores, por muito que se remende e conserte. E depois fica apenas o medo de nos aventurarmos a um lugar aonde só chega quem não tem medo de naufragar.
Eu continuo-me a aventurar. Cada vez com mais bóias, sinalizações, GPRS, pensos e betadine…mas como somos máquinas de inventar esperanças…quase todos seguimos em frente.

Eu sigo. Mas com medo de naufragar outra vez.
Será que não alcanço esse lugar?

29.10.2006

11 novembro 2006


Li algures; “ Essas raízes não mergulharão noutra terra”.
Não nasci nesta terra.
Nasci noutra, onde o cheiro, a cor e as cores são diferentes.
E eu fico ali parada num meio, sem saber realmente bem onde pertencem as minhas raízes.
Pertenço a uma tribo completamente destribalizada, mas sobrevivente, que não sabe realmente ao que se agarrar, porque tem informações que surgem de ambos os lados.
Da pátria nascente e da pátria adoptiva.
E no meio ando eu, e muitos outros, que nasceram num lado mas viveram toda a vida noutro.
Adoptei costumes e hábitos dum lado mas cresci a ouvir, e logo muito influenciada, por estórias e tradições, bem diferentes daquilo que me rodeia.
Identifico o sitio lá longe onde nasci, mas sei que ele já não é o sitio das lembranças, inventadas, plantadas e recordadas, minhas e tantas outras pessoas.
Tenho direito a um passado, mas não o possuo realmente, porque entre a realidade das vivências e as lembranças que me foram inculcadas fica apenas o direito a ter as minhas raízes onde muito bem quero.
Mas onde as plantar?
Já uma vez disse que não tenho onde plantar as minhas raízes. À força de tanto as mudar.
Será que elas sobrevivem apenas na memória?
Então do que sinto realmente a falta?

26.08.2006

Meu querido e doce amor, vamos fazer de conta que sempre foi assim, que esta carta te foi escrita há tantos anos atrás, que já não te recordas de quando a recebeste. Gostaria de não ter discutido tanto, que o fim não estivesse marcado de um simples estigma de raiva e dor, como acabou o nosso amor. Gostaria sim, que as costas viradas tivessem sido permanentes, até ambos termos desistido um do outro. Apenas isso. E assim, temos de admitir, eu não teria tido receio de ainda te vir a encontrar em mim…
Meu querido e doce amor, deveríamos ambos ter percebido que pereceríamos ao chegar aquele árido sítio onde enterrámos quaisquer bons sentimentos que ainda nutríamos um pelo o outro. Depois de toda a guerra aberta na guerrilha encapotada, não reparamos que chegamos a uma parte, a um local, que é nenhum lugar, e que era lá que queríamos estar. Já lá estávamos. Mas não tínhamos a capacidade de o ver. E compreender.
Depois disso, meu querido e doce amor, teria sido apenas suficientemente bom que me tivesses ficado gravado em memórias de chá preto adoçado com mel e mexido com um pau de canela… saboroso… de tal forma que depois de ter terminado de o sorver o sabor e o cheiro permanece entranhado, na pele e nas narinas. E assim, meu querido e doce amor, terias ficado parado para sempre no tempo das minhas lembranças perfeitamente felizes. Apenas escrito por dentro de mim, em todos os momentos felizes. Apenas esses, meu querido e doce amor.

18.10.2006

02 novembro 2006


Esta estória tem um final feliz. Só pode ter um final feliz.
Vejo-te a crescer todos os dias. Em centímetros, em alma, em sentimentos, em vida. E todos os dias sei mais que amanhã será melhor porque existes. Não porque te gerei. Não porque saíste de dentro de mim. Mas porque fazes parte da humanidade de amanhã. E terá de ser melhor por isso. Não és melhor que os outros. Mas a consciência que tenho de ti é maior. E logo sei que se todos os outros forem como tu… o mundo terá inevitavelmente de ser um sítio melhor.

29.10.2006