29 novembro 2006


Vivi sempre sem rede. Pelo menos acho que assim vivi.
Já sei que não se morre de amor, nem de saudades, nem de falta de ar porque o amor nos abandonou, ou porque a vida foi deitada fora como se não passasse de um papel sujo e dispensável para alguém. Mas a falta de rede lá em baixo vai também deixando os seus temores, cada vez mais profundos. Porque com o passar do tempo vou aprendendo a olhar para baixo – cada vez mais – e cada vez me vai parecendo maior a altura que está entre mim e chão. Ou simplesmente o espaço que alguém fixou entre o céu e a terra. E o medo apodera-se de mim. O temor de cair e me estatelar e me desmanchar completamente no chão e de ninguém me conhecer suficientemente bem para me voltar a montar como se de um puzzle me tratasse. E me perdessem as lembranças ou as fotografias da minha infância onde retrato o primeiro beijo, o primeiro amor. O primeiro boneco careca que foi um filho para mim. Ou os cheiros se me tornem desconhecidos porque se evaporaram pela queda, e já ninguém mos recupera. E fico sem saber ao que cheira as rabanadas na véspera de Natal polvilhadas de canela pelas quais reconhecemos as Festas das nossas casas. Ou se perco os cheiros das peles que me tiveram. Ou se perco o cheiro da lembrança afincada do horizonte na minha terra. Pior, se me perco sem o espaço vazio que ainda guardo, aguardando, o cheiro da pele que me vai fazer feliz.
E em vez de andar, fico apenas estática a avaliar os riscos, os prós e os contras de avançar, assim sem rede, tentando medir a pulsação dos ventos, as oscilações do mundo que me farão inevitavelmente cair de novo.
Mas não caio, porque apenas fico ali, a olhar. A avaliar.

18.11.2006

6 comentários:

joão marinheiro disse...

Não imaginas o quanto as tuas palavras se entrelaçam nos meus sentires...
Abraço desde o mar alto.

Salvador disse...

Fala com o teu coração...

Talvez te responda

bjs

Anónimo disse...

Minha linda Iolanda, onde vai buscar tanta inspiração.
Os meus parabéns.

Bjs.
Natália

algevo disse...

João:
Obrigada pelas tuas palavras.
Nalguns dias em que o ego está mais afogado num mar turbulento faz-me bem ler que daí se sente assim também.

Beijo

I.

algevo disse...

Salvador,
infelizmente o meu coração é mudo. Acho que infelizmente, pois ainda não descobri bem se isso é completamente bom ou se isso é completamente mau. O crescimento tem-me ensinado sim (muito lentamente)a senti-lo, o que não implica que entre erros, desacertos, mal-entendidos e incompreensões não me tenha enganado diversas vezes no seu entendimento. Por isso espero apenas que ele se decida.

Beijo.

I.

algevo disse...

Minha linda e doce Natália
(quase quase mamã...),
a inspiração vou buscá-la onde vão todos os outros, no dia a dia, em qualquer gesto, em qualquer acto a que assisto na rua, num beijo enamorado do casal que observo na paragem do autocarro, na mão marota por baixo da mesa do par em frente no restaurante...nas recordações, nos sonhos, nas ilusões, na imaginação que me faz sempre ir mais além todos os dias...

E sabe bem o quanto o sonho me leva mais além...

Beijos para as duas... filhota Dani e mamã...