18 outubro 2006


Hoje subi as escadas do nosso primeiro ninho de amor.
Sei que parece piroso. Mas foi mesmo assim que senti, e sinto que vou sentir sempre. Aquele apartamento despido, vazio de sentimentos e de paredes descoloridas que enchemos de amor.
Aquelas paredes, de pé alto, de antigamente, onde a luz do sol não chegava quase nunca e que nenhumas mãos chegavam ao seu topo.
Nós chegámos.
Nós enchemos aquelas paredes, aqueles quartos, aquelas salas todas cheias, totalmente cheias de amor. Do nosso amor.
Foi ali que me senti volátil pela primeira vez.
E que me fizeste explodir.
Só muito mais tarde experimentei a tua explosão.
Mas fiquei com o teu gosto na boca.
Já o tinha, mas naquela noite… ele enterrou-se-me na pele para sempre.
É verdade que nem sempre te sinto o cheiro, como se eu fosse um cão de caça, daqueles que tinhas.
Ainda tinha a chave da caixa do correio.
E apertei-a no meu peito.
Tanto, tanto que me fez doer a alma e a vida. E a vista turvou-se-me de lágrimas.
Foi ali naquelas escadas que senti pela primeira vez o peso das linhas que me escreveste.
E ao olhar para cima, revi-me numa correria louca para lá chegar ao topo, e abrir a porta, com as mãos trémulas para poder beber as parcas linhas que me escreveste numa única vez.
Aquela tua letra perfeita, como tu.
Aquela tua responsabilidade, pela distancia que nos unia… e que também nos separava.
Hoje são muito mais coisas que nos separam que aquelas que nos unem.
Pergunto-me se alguma vez voltarei a subir escadas assim, na vã loucura de te ler, ou apenas de te ter e encher-me de vida e do teu sorriso em salas vazias que poderei abrigar todas em mim.

15.09.2006

6 comentários:

Anónimo disse...

O estilo inconfundível de uma grande poetisa que sofisticadamente, através de uma escrita que contagia pela sua sensibilidade, marca a diferença!!! O nosso estado espirito muda radicalmente após a leitura do poema!!!

algevo disse...

Bom... estou aqui a sentir-me uma pequena... não queria dizer Florbela Espanca..., mas estou literalmente a babar de orgulho desta critica... obrigada P.

:))))) gigante mesmo.

Beijo
I.

Paulo disse...

«ninho de amor». uiiiiiiiiiiii...isso pode ser em qualquer lugar......

AnaP disse...

Um lindo texto que me fez pensar em tanta coisa! Bonito blog! Belíssimos textos!

algevo disse...

é verdade, Paulo, pode mesmo ser em qualquer lugar, mas alguns locais marcam-nos mais que todos os outros que foram... não te acontece? Por um cheiro, por uma cor, por um ambiente... mesmo que não tenha sido o primeiro nem o melhor, mas aquele que mais marcou...
Sou uma visita frequente no teu blogue, mas nunca comentei... acima de tudo por termos posições religiosas radicalmente opostas... mas um dia, encho-me de coragem e explico-te... espero que voltes.

I.

algevo disse...

Obrigada, Anap, antes de tudo pelo elogio... hoje saio daqui com o ego inchado...
Já te adicionei aos meus favoritos, para não te perder o rasto, e, embora demasiado rapidamente, gostei do espaço. Regressarei, com tempo, e será mais um dos espaços que visitarei regularmente.

Espero que o meu texto te tenha feito pensar em coisas boas...

:))